livros melhores que a sociedade do cansaço pra você citar quando fala que o problema da internet é o capitalismo
fazendo o trabalho de deus
🛸 olá, internautas! 🛸
vamos ser honestes aqui… a sociedade do cansaço é um livro meia boca. nada contra o byung-chul han. ele foi o primeiro contato que tive com um pensamento mais teórico sobre a internet, e eu na vdd gosto de bastante coisa dele. a questão é que sociedade do cansaço, especificamente, é um livro bem mais ou menos. e isso falo eu, uma Mulher Cansada.
entendo que tá todo mundo exausto e confuso. entendo que tá todo mundo procurando uma explicação de comé que pode todo mundo estar tão exausto e confuso. entendo também que o byung-chul han é um autor útil nesse sentido porque os livros dele são minúsculos e ele sempre xinga o capitalismo. mas, assim, mesmo cansades, a gente precisa pensar um pouquinho mais. tipo, só um pouquinho. só pra não ser burro. com todo o respeito.
e já que falamos de respeito, gostaria de dizer 01 (uma) única coisa sobre o byung-chul han: a filosofia dele é alemã. sim, ele nasceu na coréia do sul e, sim, ele tem fenótipo de sul coreano, mas ele mesmo diz que todo o pensamento dele tem a filosofia alemã de base. ele se formou na alemanha, ele dá aula na alemanha, ele escreve em alemão, ele cita majoritariamente alemães, ele segue a tradição filosófica alemã. não chamem o cara de filósofo sul coreano. ele é um filósofo alemão. ele mesmo repete isso inúmeras vezes. respeitem o pedido dele. ou, no mínimo, digam “o filósofo de tradição alemã”. chamar o cara de filósofo sul coreano é desrespeitoso com ele e com a filosofia sul coreana. também mostra que você não sabe nada de filosofia - o que, tipo, tudo bem, eu também não manjo muito de filosofia, mas fica um pouco feio quando cê tá exatamente apresentando o cara pra outras pessoas.
enfim! acho curioso o fenômeno de citarem tanto a sociedade do cansaço pra falar especificamente da relação com a internet, porque mesmo o han tem livros melhores que tratam desse assunto em específico. e, ironicamente, tô um pouco cansada de ver esse título sendo tão citado quando tem coisa melhor, de fácil acesso, com linguagem e estrutura muitas vezes mais fáceis de entender e igualmente curta. ou, bom, nem tudo é tão curto, mas vários são sim porque gente de esquerda que escreve sobre internet costuma estar muito cansada e já perdeu a paciência há muito tempo.
todos os títulos aqui são títulos que conheci nos últimos anos, durante a minha pesquisa, e são textos que me ajudaram muito a também organizar meus pensamentos e sentimentos quanto a internet e tudo que vivemos nos últimos anos OU são textos que ainda não tive tempo de ler mas que estão na minha lista de leituras futuras. é assim que vos apresento uma lista de livros melhores que a sociedade do cansaço pra você citar quando fala que o problema da internet é o capitalismo.
livros melhores que a sociedade do cansaço pra você citar quando fala que o problema da internet é o capitalismo
a tríade: agonia do eros + a salvação do belo + no enxame; do byung-chul han
olha, um livro do han não chega a ter 100pgs, então dá pra ler esses três fácil fácil.
o han tem uma coisa que eu particularmente gosto e almejo que é que ele nunca explica o que ele já explicou antes. é por isso que pegar um livro recente do han pode ser mais difícil de entender no começo se você não manja de filosofia, mas é também por isso que os livros mais recentes dele costumam ser os mais interessantes, porque o pensamento tá mais desenvolvido.
a proposta dessa tríade é a seguinte: agonia do eros – o livro mais antigo e só de 96pg daquele tamanico minúsculo de página da edição da vozes em que uma página é na vdd meia página se formos generosas – é o que localiza filosoficamente do que ele vai falar mais tarde. é o livro em que ele explica o que ele quer dizer com erótico e pornográfico e analisa porque todo mundo tá com depressão (não nessas palavras, mas é meio essa a energia).
entendendo o que ele quer dizer com erótico e pornográfico, você passa pra salvação do belo, que é de 2015 e tem 128pgs. esse livro é genuinamente muito engraçado, porque ele escreveu basicamente pra bancar o ódio que ele tem ao jeff koons (não que importe, mas eu gosto do jeff koons) (podemos falar sobre arte outro dia se quiserem). mas O Grande Ponto do livro é entender o que é beleza num sentido filosófico e entender por que nada mais é bonito.
parece meio aleatório indicar esses dois livros pra falar de internet, né, mas ao longo de ambos os livros, o han vai guiando pra esse entendimento da necessidade da distância, do mistério, do não dito. e isso vai ser importante pra quando a gente chegar no terceiro livro.
no enxame - perspectivas do digital tem um nome autoexplicativo. nele, o han usa os conceitos que ele construiu nos outros livros de erótico e pornográfico e vai analisar como os objetos digitais tiram a noção de distância e como isso se torna um grandessíssimo problema. ele foca principalmente nas dinâmicas de redes sociais, mas também fala bastante do smartphone como objeto. o capítulo que dá nome ao livro é uma organização lógica excelente do que são os movimentos como os cancelamentos e o que ele chama de maneira geral de shitstorm (é um livro de 2018, afinal de contas). pra todo mundo que tá confuso a por que raios a internet é do jeito que é hoje em dia, esse livro ajuda MUITO a organizar as ideias. ele não explica por que a internet virou o que virou, mas se debruça bastante sobre por que ela é como é atualmente e isso já ajuda muito.
no enxame termina de um jeito meio apocalíptico, dizendo que o neoliberalismo se instaurou nas nossas cabeças e agora começa uma nova fase da política. então é possível que você queira ler o livro seguinte, psicopolítica. é um livro massa, mas admito que não foi o que mais me impactou, então fica aí como escolha sua. não tá na bibliografia fundamental do curso intern3t!!11. e, se você se animar a continuar lendo coisas dele, porque o han é um véio impaciente que acha que o capitalismo fez tudo ficar feio, recomendo não-coisas, um livro que ainda não li, mas minha amiga lulu leu e rendeu boas reflexões.
a ideologia californiana; do andy cameron e richard barbrook
a começar que esse título fazendo referência direta a ‘a ideologia alemã’, o que é absolutamente insano. depois que esse é o livro sobre o qual tim maia cantava quando cantava read the book the only book1 né. eu já falei e citei esse livro milhões de vezes nessa newsletter, então tudo que vou dizer é que essa aqui é a bíblia. se você tá confuse de por que todas as lindas promessas de aldeia global e conexão humana sem limites deram errado, esses caras te explicam. esse livro delineia muito bem a ideologia das pessoas que fizeram a internet e organiza os discursos e práticas de maneira que dá pra entender e apontar perfeitamente onde tá o problema e o tamanho desse problema. esse não é só um livro que diz o problema é o capitalismo, é um livro que diz por que e como o problema é o capitalismo e por que e como isso só podia vir de estadunidense.
na moral, se você só for ler um único livro sobre internet na sua vida, que seja esse. são 44 páginas, é basicamente uma zine. e tem a opção de comprar a cópia física por uma editora anarquista2 ou você pode baixar de graça porque anarquistas são perfeites.
tecnodiversidade; do yuk hui
quer citar algo decolonial de verdade? pois bem.
políticas da imagem - vigilância e resistência na dadosfera; da giselle beiguelman
seis ensaios que até hoje agradeço que foram publicados enquanto ainda tava escrevendo a dissertação, porque eles me ajudaram muito. esse livro explica bem e detalhadamente como funciona toda a estrutura da dadosfera – o que são dados, como são coletados, como as informações são cruzadas, para quê isso é usado etc. – e lembra que toda essa estrutura é criada por humanos que criam e desenvolvem essas tecnologias. é um livro que lembra que nada na internet é só aquilo. uma imagem não é só uma imagem, ela é um mapa informacional. e o que a beiguelman faz é traçar o que está sendo feito com todas as informações que estão sendo coletadas de nós, usuáries, e mostra como isso leva a problemas gigantescos, como racismo algoritmo, cultura de vigilância entre outros mil problemas que agora tô com preguiça de citar.
from counterculture to ciberculture; do fred turner
[esse aqui acho que não tem em português, e se alguma editora quiser me contratar pra fazer a tradução, eu topo]
uma pesquisa excelente que se debruça sobre a história da internet afim de entender como os discursos e ideais da contracultura foram usados pra desenvolver a internet capitalista que temos hoje em dia. o foco é no caso do stewart brand e a rede whole earth.
[…] young Americans encountered a cybernetic vision of the world, one in which material reality could be imagined as an information system. To a generation that had grown up in a world beset by massive armies and by the threat of nuclear holocaust, the cybernetic notion of the globe as a single, interlinked pattern of information was deeply comforting: in the invisible play of information, many thought they could see the possibility of global harmony.
big tech - a ascensão dos dados e a morte da política; do evgeny morozov
um título bem autoexplicativo. naquele tom delicioso de acadêmico cansado revoltado, ensaios divididos em trechos curtos mas contundentes. o primeiro ensaio chama “por que estamos autorizados a odiar o vale do silício”, e acho que isso já dá bem o tom da coisa toda.
in the flow; do boris groys
eu tenho a teoria pessoal que o boris groys vai virar meio que o próximo byung-chul han, pelo menos no meio das artes. isso é porque ele trata de temas “contemporâneos” e relevantes com uma assertividade muito grande e umas ideias meio despirocadas.
não me levem a mal, tudo que ele fala é bem pirado. ele diz que dar um like é tipo dizer amém, por exemplo. mas existe uma diversão em ler o groys, e acho que ele é aquele tipo de doido que, pra você concordar ou discordar dele, cê tem que pensar sobre o que ele disse e o que você acha de verdade, o que é excelente, porque quer dizer que ele realmente te faz pensar. e o que buscamos nessa lista é que a gente pense.
o mundo do avesso - verdade e política na era digital; da letícia cesarino
um dos livros que tá na minha lista de leituras futuras e que tô animada, porque gosto bastante de toda proposta da cesarino. aqui um trechinho da introdução pra vocês se animarem comigo:
[…] Todos aqueles que esperam encontrar neste livro um argumento linear provavelmente ficarão frustrados. Não se trata de falta de lógica, mas de outra lógica – uma lógica não linear, mais próxima à dos fenômenos analisados. as páginas que se seguem, o mesmo argumento é feito e refeito, porém nunca exatamente da mesma forma. Isso porque, sob o ponto de vista sistêmico adotado aqui, os processos de digitalização da política e da verdade são – e não são – o mesmo fenômeno.
não caia no conto do vigário!
o lance de ler gente crítica aos agentes envolvidos na criação e desenvolvimento da internet – o que, é importante dizer, é gente que existia desde que começaram a falar de cibernética – é que você esbarra com frequência a críticas aos livros e autores mais famosos que falam sobre a internet. esses autores ganharam espaço porque eles se iludiram. porque eles ficaram emocionados demais com as possibilidades dessa técnica e não pararam pra olhar pra quem estava a desenvolvendo ou como ela estava sendo desenvolvida. no fim das contas, são autores que ajudaram com o marketing. e, nessa newsletter, somos contra o marketing. então, assim, não vou dizer pra vocês não lerem esses livros, mas vou dizer pra vocês não perderem muito o tempo de vocês com eles e priorizarem gente que pensou quando tava escrevendo. não caia no conto do vigário! não caia no papo do marketing! não perca tempo com:
galáxias da internet; do manuel castells
eu dou um (01) único crédito ao castells que é que ele realmente sentou e escreveu a parte sem graça da historiografia da internet dos anos 90-2000 e alguém precisava fazer esse trabalho pra facilitar a vida dos acadêmicos. de resto, ele é, sempre foi e sempre será apenas um publicitário emocionado. e sabe o que nem publicitário nem gente emocionada tem? senso crítico. me deixava mt brava que esse livro tem um título que eu amava, mas mesmo o título hoje em dia já acho todo errado. novamente, coisa de publicitário. quem aqui é publicitárie, pfvr, leve um pouquinhozinho como ofensa pessoal e melhore.
o meio é a mensagem; do marshall macluhan
outro caso de cara que se emocionou demais. honestamente, se você ler qualquer um dos livros da lista anterior, vai entender por que não perder seu tempo com esse aqui.
qualquer coisa do pierre levy
tem um trecho da minha dissertação em que falo mal dos teóricos iludidos porque eles contribuíram pra que se fundasse uma internet capitalista e, nesse momento, minha queridíssima orientadora mandou "mana, e aquele pierre levy???”, o que achei um jeito muito engraçado de colocar a questão. realmente, de todos os iludidos, o pierre levy chegou no nível de sem noção. é até meio desconfortável de ler. pode deixar quieto. a não ser que você queira justamente falar mal dele. daí, divirta-se!
caso você queira ser MALUCO
essa lista que montei já é mais do que o suficiente pra você falar mal da internet capitalista com propriedade e sem passar vergonha. mas se você quer impressionar de verdade e está com disposição pra perder sua sanidade mental no processo, ou seja, caso você queira ser MALUCO, recomendo fortemente do modo de existência dos objetos técnicos, do gilbert simondon. parei minha leitura na metade por causa de outras demandas acadêmicas, mas a gente tinha um grupo de estudos dedicado ao livro e fiz uma matéria de ouvinte só sobre o livro e não tenho ainda muita certeza se entendi mais que 10% – e isso já sendo bastante otimista!
gilbert simondon foi um francês maluco e esse livro é sua grande tese, escrita ainda nos anos 50, no começo da cibernética. a brisa dele é que ele queria extrair a filosofia da máquina. então ele foi aprender tudo de filosofia e tudo de física. tem capítulos inteiros só sobre o conceito de individuação, outros só com longas descrições do funcionamento de um motor a vapor. é completamente insano. o trabalho dele foi tão minucioso e elaborado que acontece que ninguém da filosofia entendia a parte de física e ninguém da física entendia a parte da filosofia do trabalho dele, então todo mundo só meio que aceitou que ele merecia ser aprovado mesmo que absolutamente ninguém tenha entendido o que ele tava dizendo.
como disse, se entendi 10% do que li dele, já tô bem contente. mas devo dizer que só essa tentativa de entender o cara já mudou muito da minha maneira de abordar os objetos técnicos. se você quer perder um pouco mais do fino fio de senso de realidade que ainda te resta conectando sua existência ao mundo material, recomendo demais a leitura.
por hoje é isso, mis querides. divirtam-se, eduquem-se, melhorem!
e fica aqui o convite do byung-chul han pra vocês:
bjoks,
clara
nota da editora, que é também a autora e que não revisa seus textos: isso é uma piada
FUN!fact: fui tentar comprar esse livro e uns outros que queria ter a versão física, deu um problema na hora do pagamento, escrevi pra editora pedindo pra comprar porque queria muito ter os livros e eles disseram ah sim claro vamos resolver mas daí também nunca me venderam os livros!!!! foi uma experiência perfeitamente anarquista e guardo a monstro dos mares no coração. adoraria conseguir comprar os livros deles um dia.
Que bom que posso dizer: "amiga, você é uma amiga!" com toda propriedade. Como você sabe, eu já gostei do sociedade do cansaço, então fiquei com altas expectativas nas suas recomendações! Tenho muito interesse em falar mal do capitalismo. Estou ansiosa para seguir essa lista de leituras 🥰
Que ótima lista! Estou terminando meu doutorado e ele envolveu uma revisão historiográfica da internet. O livro do Turner foi um dos que eu analisei - e eu gostei tanto que acabei indo caçar no eBay um exemplar físico do Whole Earth Catalog. Chegou mês passado, todo destruído, mas lindão. Achei incrível sua postura contra o Castells (ele foi um dos caminhos que eu quis ao máximo evitar na minha pesquisa também). Um livro que acho que você iria curtir muito, se já não conhece, é o Net Effect, do Douglas Streeter. Ele revisa a historiografia da internet também, mas usando o romantismo como chave de interpretação. Dos que eu li, é um dos meus favoritos (junto com o do Turner, hehe).