referências bibliográficas: maio de 2023
o que li, vi e ouvi esse mês + obrigada por tudo, quadrúpedes
🛸 olá, internautas! 🛸
esse mês, uma amiga minha me mandou um áudio dizendo: “tem uma mulher lá que acho que ela é quadrúpede, miga. cê tá ligada nesse movimento dos quadrúpedes? ela foi- não, não que isso seja a parte zoada, assim, achei que até legal, né, ela ter essa questão quadrúpede” e depois disso eu não ouvi mais nada. fiquei rindo por 20 minutos consecutivos, lágrimas escorriam, tentei gravar um áudio contando disso pra outras amigas e eu não consegui falar uma palavra sem começar a rir, pode perguntar pra qualquer amiga minha.
meu amigo iuri, então, encontrou um exemplo de um adepto do movimento quadrúpede e compartilho aqui com vocês.
se algume leitore aqui for quadrúpede, por favor, me dê um toque! eu tô fascinada!! se todes aqui forem bípedes, tá tudo bem. o mundo é mesmo muito diverso!
mas, enfim, hoje venho a vocês como bípede contar um pouco mais das coisas que li, vi e ouvi e povoaram minha mente durante o mês de maio de 2023. então, vamos lá!
livros
o jardim secreto; frances hodgson burnett
terminei esse livro no começo do mês e tenho tanta coisa a dizer sobre ele que, agora, dia 31, já fico até cansada. mas o que achei mais interessante foi ver os mecanismos de poder na narração.
infelizmente, virou uma coisa muito comum em discussões sobre livros (especialmente discussões on-line) os leitores igualarem personagem problemático = livro problemático, ou uma fala problemática = livro problemático. e, bom, livro problemático = livro ruim. essa é uma dinâmica que tem muito a ver com outras partes da dinâmica on-line e é um assunto que quero me deter com mais calma por aqui em algum momento. mas, de maneira geral, esse tipo de comentário on-line me tira muito do sério.
agora, o jardim secreto me interessou exatamente porque é um livro extremamente problemático. e não problemático tipo “ah, esse personagem falou algo mais ou menos machista uma vez”, não. é um livro em que a narração é colonialista, racista, capacitista, imperialista e, de quebra, machista. esse é um excelente exemplo de um livro feito com o propósito colonizador. os valores imperialistas estão materialmente no texto e dá pra dar uma aula maravilhosa sobre isso, educar os tuiteiro doido sobre o que de fato é um livro escroto e o que só é um livro normal. enfim… marquei muitas passagens que apresentam materialmente no texto o propósito colonizador e hierárquico.
e o interessante é justamente que a história d’o jardim secreto é uma que não precisava ser assim. a história dá todos os elementos para que o arco dos personagens aconteça da mesma forma com a justificativa de que o problema de todos fosse as opressões sistêmicas, mas a narração do livro coloca o império britânico como a grande salvação.
mary é uma menina feia e mimada filha de colonizadores ingleses na índia. seus pais são negligentes e a deixam sob cuidados de uma aia nativa, ou seja, negra e escravizada. todos os adultos com que a mary interage são escravizados, o que significa que todos têm que obedecê-la. ela é um monstro. ela reproduz todo o poder que vê seus pais exercendo sob os colonizados ao mesmo tempo que sofre por não ter o amor e a atenção dos pais. daí, eles morrem de repente e ela é mandada de volta pra inglaterra, pra ficar na casa de um tio rico e deprimido que está sempre fora de casa.
nessa casa, mary perde todo o poder que tinha antes. ela não manda mais em ninguém, a disparidade de classe diminui drasticamente (ela agora é uma órfã) e não existe mais a marcação de raça que existia na colônia. os criados da casa do tio não a tratam como patroa e, por mais que eles sejam da classe trabalhadora e tenha diferenças de regionalidade, todos são brancos. pra uma menininha que estava aprendendo o racismo colonial imperial, isso é uma mudança drástica. mary tem que aprender a se relacionar como gente, e não como opressora.
MAS!!!! nada disso é colocado no livro. o narrador diz que o que faz a mary se tornar uma humana decente é o ar da inglaterra. é a civilização. a natureza intrínseca à Britânia e a sabedoria protestante. o livro inteiro é sobre como as terras inglesas (o jardim) podem “curar” qualquer pessoa. o jardim cura a babaquice da mary, a deficiência física do collin e a depressão do tio.
é revoltante. especialmente porque, como falei, é um livro que poderia ser facilmente contra opressões sistêmicas tendo a mesmíssima história, mas a narração se recusa a ver a história dessa maneira. por sorte, tive minha amiga sofia para me apoiar nas minhas revoltas ao longo do livro e para longas conversas sobre como imperialismo é escroto.
dito tudo isso, deixou meu amor e carinho ao pônei Saltito!!!!
trecho horroroso que grifei por ser horroroso: “É Magia – disse Mary –, mas não é magia negra, é branca como neve.” (gente, eu juro por tudo de mais profano que essa é uma das passagens menos violentas, e ela é extremamente violenta!!!!)
trecho wholesome que grifei: E o sol era quentinho no rosto, de leve, como uma mão fazendo carinho.