🛸 olá, internautas! 🛸
ainda na ressaca do meu mestrado, escrever para os outros tem sido particularmente difícil. é por isso que, hoje, vamos fazer algo um pouquinho diferente, e vou compartilhar aqui – a pedido das minhas amigas sagitarianas – algumas das piores notas de rodapé que escrevi na minha dissertação.
no espírito do rodapé, devo dizer aqui que, por “piores”, não tô dizendo que elas são ruins ou desnecessárias. muito pelo contrário, são notas importantíssimas. afinal, se não importassem, eu simplesmente não teria escrito. mas elas importam, então tive que escrever. o lance é que saber que eu tinha que escrevê-las deu aquela canseira que você sabe que te tirou algumas horas de vida na totalidade da sua existência. nada contra. tem coisas que fazemos que tiram muito mais vida do que uma nota de rodapé explicando o que é uma cursed image.
por que eu tive que explicar o que é uma cursed image? olha, honestamente, eu já não sei mais. a gente tem que explicar muitas coisas numa dissertação. algumas são bem legais, tipo quem foram os merry pranksters, outras são completamente insanas, como definir um hipster.
ah, você chegou nessa newsletter há pouco tempo? pois bem. eu acabei de me tornar mestre em filosofia! a minha dissertação não tem nada a ver com filosofia, na vdd, a base teórica é análise do discurso e, de maneira muito geral, é sobre a internet. de maneira muito específica, é sobre como mídiuns digitais atravessam semanticamente a produção humana do que é circulado on-line, com o foco na produção do girl gaze entre 2013 e 2018. o título dela é ✧✦✧ lowkey on main: a disputa pela produção de sentidos nos mídiuns digitais ✧✦✧ (não tem as estrelinhas, mas aqui é a internet e esse é um título brilhante) (han han?!).
você chegou aqui há um tempo e quer saber quando raios vai poder ler minha dissertação inteira porque eu não paro de falar disso? paciência, jovem padawan. o momento certo chegará. eu nem tive tempo de respirar ainda. enquanto isso, deixo aqui uma palhinha pra vocês. divirtam-se com…
as piores notas de rodapé que escrevi na minha dissertação:
quando tive que explicar o uso da linguagem neutra no título da minha introdução, chamada BEM-VINDE À INTERNET, POR FAVOR, ME SIGA
A escolha pelo “e” no lugar da marcação de gênero é uma escolha proposital que alude ao debate da chamada linguagem neutra, ou ainda linguagem inclusiva, a qual gera grandes discussões e sugestões de uso em comunidades on-line. Esse é um debate extenso no qual não nos alongaremos por não ser diretamente relacionado ao tema central desta pesquisa. No entanto, escolhemos usá-lo aqui como uma maneira de introduzir o tom dessa vivência on-line, em especial nas comunidades feministas interseccionais, das quais trataremos mais adiante, mas que aqui adiantamos serem parte importante de nossa pesquisa. Dessa forma, assumimos que essa tradução, sendo também o título do capítulo, é como tudo na internet: séria e profundamente irônica.
Dito isso, aproveitamos para registrar que optamos pelo uso da chamada linguagem neutra/ inclusiva em determinadas passagens de nossa escrita. Essa foi uma escolha deliberada em respeito às identidades de gênero adotadas por artistas que aqui serão tratades, usuáries da internet e possíveis leitores. Não utilizamos a chamada linguagem neutra/ inclusiva durante toda a dissertação, pois entendemos que é necessário seguir as regras de grafia atuais e de flexão de gênero da língua portuguesa. No entanto, em alguns casos, acreditamos ser pertinente marcar o gênero chamado neutro ao longo de nossa escrita. Nestes casos, adotamos o uso dos pronomes "elu", "delu" e "su", o artigo “a/ o” por “le”, e substituímos outras marcações de gênero em que se usam "a/ o" por "e" (por exemplo: "tratada", "tratado", "tratade"). As exceções se dão apenas em caso de palavras cujas marcações de gênero já são tidas como "neutras" (ex:"artista") ou já terminam com "e" (ex: "leitores").
daí eu tive que explicar muito rapidamente o que é uma cursed image, o que é uma pena, porque na vdd tenho muito a dizer sobre o assunto
Cursed images, que podemos traduzir livremente para “imagens amaldiçoadas”, é o termo utilizado on-line para se referir a imagens tão feias e/ ou estranhas que “poderiam ser amaldiçoadas”. Não é qualquer imagem feia que é considerada uma cursed image; normalmente, elas costumam ser de baixa qualidade digital e retratam a distorção de algo familiar. Temas relacionados à infância e ao sexo são comuns nesse tipo de imagem.
aquela nota rápida pra dizer que o app do tumblr é conhecidamente uma merda
O aplicativo para celular do Tumblr foi lançado em maio de 2013, mas é conhecido por seus usuários por funcionar mal e os usuários costumam preferir a versão para desktop da plataforma.
aquele momento em que mostramos nossas verdadeiras bandeiras
Referimo-nos à prática de disponibilizar transmissões de áudio ou vídeo em diferentes sites ou perfis em redes sociais, de maneira a fornecer o conteúdo para aqueles que não podem acessá-lo seja por causa de paywall, geolocalização ou simplesmente como maneira de diminuir o fluxo de visitas do site principal para que o carregamento de dados não atrase àqueles que buscam assistir ou ouvir a transmissão.
É também digno de nota que há pessoas que, em vez de disponibilizarem as transmissões originais, as reencenam através do streaming de jogos. Um exemplo é a reencenação de jogos de futebol ao vivo através de videogames.
aqui tive que me proteger legalmente dos fãs
Com isso, não estamos dizendo que a história dos fandoms se resume à cultura digital. A história dos fandoms é longa e complexa e, não à toa, tem uma área de estudos inteiramente dedicada a ela, os Fan Studies. O que dizemos aqui é que notamos que os fandoms se beneficiam das tecnologias digitais cujas semânticas são associadas à cultura digital, e que a cultura digital, por sua vez, ganha espaço nos fandoms.
Dizer mais que isso seria se dedicar inteiramente a uma nova pesquisa, o que não cabe a esta dissertação, mas que não deixamos de apontar a importância dessa discussão.
então, finalmente, parte da minha alma morreu quando tive que explicar em poucas palavras o que raios foi junho de 2013
Jornadas de Junho é o nome dado à série de manifestações ocorridas conjuntamente em mais de quinhentas cidades no Brasil durante o mês de junho de 2013. Os primeiros protestos aconteceram em Natal, Porto Alegre e Goiânia, ainda entre janeiro e maio do mesmo ano. No começo de junho, São Paulo e Rio de Janeiro se juntaram à lista, seguidos de Niterói e Maceió. Em todas as cidades, os protestantes se colocavam contra o aumento da tarifa de ônibus. A repressão policial foi violenta e de escala atroz.
A data de 13 de junho ficou marcada pela brutalidade por parte dos policiais, que usaram cassetetes, spray de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha e as chamadas bombas de efeito moral contra os manifestantes. Estes, por sua vez, reagiram depredando automóveis e vitrines de lojas, fazendo barricadas e arremessando pedras contra os policiais. Nesta data, em São Paulo, mais de 150 pessoas foram feridas, mais de 200 foram detidas e, pela primeira vez, jornalistas relataram sofrer agressão policial. As cenas viralizaram nas plataformas de redes sociais, incluindo a fotografia do fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha no olho esquerdo. A partir desse momento, as maiores mídias de jornal do país começaram a mudar o posicionamento, colocando-se a favor dos protestos.
Em resposta à violência policial brutal, mais pessoas aderiram aos protestos, com 100 mil manifestantes na cidade do Rio de Janeiro e 64 mil em São Paulo. O novo lema se tornou “não é pelos vinte centavos”, mas pelo que então seriam as passeatas? Enquanto parte dos manifestantes se colocavam contra a repressão policial, outros passaram a defender “a saúde e a educação”. A crítica era que, a um ano de sediar a Copa do Mundo, o governo brasileiro não deveria investir o dinheiro público em estádios, mas sim nas áreas de saúde e educação. Gritos como “não vai ter Copa” e “o gigante acordou” (em referência ao hino nacional) tornaram-se comuns durante os novos protestos.
Em 17 de junho, os manifestantes de Brasília invadiram a área externa do Congresso Nacional.
A presidenta Dilma Roussef, agora com níveis baixíssimos de aprovação, apresentou um plano de cinco “pactos nacionais” de melhoria dos serviços públicos para 26 prefeitos e 27 governadores em resposta às Jornadas de Junho. Roussef também apresentou uma proposta de plebiscito para a formulação de uma Constituinte para uma reforma política, a qual foi rejeitada pela Câmera dos Deputados.
faltava menos de seis meses pra eu entregar a dissertação e uma das minhas bases teóricas teve um momento feminista e decidiu mudar de nome
Em 17 de julho de 2023, a ensaísta e crítica declarou à imprensa que abandonaria o sobrenome do antigo marido, Buarque de Hollanda, e adotaria o sobrenome da mãe, devendo ser referida como Heloísa Teixeira. Como a declaração foi feita logo antes da publicação dessa dissertação e nossas referências bibliográficas constam com o nome de casada da autora, mantivemos o sobrenome antigo da autora para que não haja confusão no entendimento do texto.
Mais sobre a escolha de mudança de nome de Heloísa Teixeira pelo link: < https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2023/07/17/nao-vou-morrer-heloisa-buarque-de-hollanda-diz-uma-das-maiores-pensadoras-do-feminismo-brasileiro-que-nao-quer-mais-ser-reconhecida-pelo-sobrenome-do-marido.ghtml >.
aqui eu já mal tinha uma alma
Visualização ou, por vezes, impressão, é quantas vezes o post ou perfil foi visto pelos usuários da rede social, incluindo múltiplas visualizações de um mesmo usuário. O Instagram, no entanto, não divulga qual é o seu cálculo exato para contar um post como visualizado. Existe alguma quantidade de tempo específico em que o post deve ficar na tela, por exemplo? Ou o simples fato de que o post esteve no rápido rolar da timeline, enquanto a pessoa procurava algum outro post ou mesmo não olhava para a tela, é considerado uma visualização? Essas informações não são divulgadas pela plataforma, o que já nos mostra uma tendência de controle sob os dados da empresa.
e aqui eu já tava pra lá de bagdá, teórica tresloucada
A expressão “produção de conteúdo” surgiu como significante do ato de se postar nas redes sociais e blogs com intenção de venda (de produtos, de serviços, de estilos de vida) através da circulação do post, perfil e ganho de seguidores e curtidas. Tudo pode ser “conteúdo” se feito com essa intenção – textos curtos ou longos, fotos de lugares, roupas, selfies, vídeos didáticos ou de pessoas dançando.
De certa forma, podemos dizer que o “conteúdo” são os dados inseridos e circulados em redes sociais e blogs através do post. No entanto, não é qualquer usuário que “produz conteúdo”, mesmo que todos gerem dados. A “produção de conteúdo” é feita para ser sempre mais circulada e mais vista, ou seja, para conquistar mais espaços on-line, o que leva a mais consumo. A lógica da “produção de conteúdo” é uma lógica capitalista, imperialista e exploratória. O “conteúdo” deve ser circulado e essa circulação deve trazer lucro ao usuário que o posta.
a prática imperialista da empresa meta
Aqui, acreditamos ser importante registrar que o reels, tal como os stories, foi criado após a criação e sucesso do TikTok, um aplicativo para vídeos curtos. Assim como o caso do Snapchat, o Instagram copiou a mesma proposta do aplicativo, com um design parecido ao original, incorporando a função como uma novidade dentro da plataforma. O registro desse dado nesta pesquisa nos parece importante porque notamos aqui um mesmo padrão explorador/ imperialista do Instagram após a compra da Meta recriando técnicas criadas por outras empresas que se tornam populares e integrando-as ao seu aplicativo como maneira de impedir o crescimento dessas empresas e garantir que seus produtos sejam os mais populares e, com isso, a empresa a mais influente no mercado.
Vale também notar que essa prática imperialista por parte da Meta existe desde o começo, quando a empresa ainda era chamada de Facebook. A própria compra do Instagram foi um caso de apropriação de um aplicativo que estava tomando parte do espaço antes ocupado majoritariamente pela rede social Facebook. Outro caso parecido é da aquisição do WhatsApp, aplicativo de mensagens diretas extremamente popular em países da América Latina e sudeste asiático, em especial o Brasil e a Índia.
Essa é uma prática comum de grandes empresas de tecnologia, que associam a estratégia à noção de “quick follow”, uma maneira rápida de fazer com que os consumidores usem seus serviços, protegendo, assim, sua posição de liderança no mercado. Outros casos parecidos são descritos no livro Instagram, de Tama Leaver, Tim Highfield e Crystal Abidin.
até que finalmente transcendi
Os designs de emoji variam a depender do software ou plataforma utilizado. Optamos por colocar os emojis do iOS 17.4, a versão mais recente até o momento de escrita dessa dissertação. Escolhemos a versão do iOS por ser a versão mais reproduzida em outras imagens, como ilustrações, colagens ou mesmo adesivos. Não ignoramos, no entanto, a variedade de designs e, para acessar todas as versões de emojis, recomendamos o site Emojipedia, que registra todos os designs e os usos mais comuns de cada emoji. Disponível em: < https://emojipedia.org/ >. Acesso em 31 mai. 2024.
outros momentos dignos de nota
como um mimo pra vocês que chegaram até aqui, compartilho também outros momentos que estão no texto corrido da dissertação e que são dignos de nota:
quando expus minha conta de cursed images pra ilustrar um perfil do instagram;
quando tive que diferenciar o uso de tumblr com minúscula e Tumblr com maiúscula;
quando tive que explicar o ban de pornografia do tumblr;
quando eu tive que levar a sério uma fotografia da rupi kaur (pelo menos não foi um poema!!);
daí eu tive que explicar uma piada, o que é sempre muito triste, mas a piada foi essa:
o que significa que eu tive que escrever “o usuário femdad”;
daí ficou muito pior porque eu tive que explicar o fandom de hamilton, o que inclui também explicar que existe o musical hamilton. a minha parte preferida foi quando eu tava claramente exausta e escrevi: “O post também sugere com isso que as crianças caóticas são os outros personagens do musical, como Alexander Hamilton, Thomas Jefferson, Aaron Burr, Eliza Hamilton etc. – todos adultos envolvidos na Revolução Americana, que é a história narrada no musical."
então finalmente chegou o pior momento de toda a minha dissertação, que foi quando eu tive que explicar o que era um hipster e precisei usar o urban dictionary:
“Aqui, vale retomar os primeiros usuários do Instagram, os hipsters. Esse foi o nome dado à subcultura da cena alternativa do início dos 2010s, composta de jovens que tinham um estilo distinto e extremamente padronizado, em que se destacava o uso de camisetas xadrez, jaquetas de couro, calça jeans, gorros ou chapéus e óculos grandes e quadrados. Os hipsters ocupavam a cena alternativa independente, conhecida como indie, de maneira cínica, rejeitando a hegemonia cultural e industrial da época, chamada de “mainstream”, ainda através do consumo, buscando gêneros alternativos de música (como o indie-rock) e consumindo produtos produzidos localmente. A rejeição ao mainstream também levou à recuperação de objetos antigos, como câmeras fotográficas analógicas, principalmente a Polaroid – o que explica a preferência hipster pelo Instagram, que fornecia a estética antiga sem a necessidade de possuir as câmeras e revelar as fotografias. Com foco na visualidade e na atitude cínica (lida muitas vezes como pretenciosa), o movimento hipster é conhecido pela necessidade de performance, em que a pessoa deve aparentar ter o gosto oposto ao que é popular. O hipster atua um papel, em que figurino, gostos e opiniões já são estabelecidos de antemão por seus pares. Nas inúmeras entradas do Urban Dictionary, site dedicado ao registro de gírias em verbetes que as explicam e exemplificam, encontramos com frequência entradas em que o hipster é descrito como alguém profundamente preocupado com uma imagem distinta de si.”;
eu tive que falar da primavera árabe e do occupy wall street, e isso me trouxe umas memórias de guerra do tumblr em 2010;
então, no meio da análise de uma fotografia da arvida byström, eu fui iluminada e pude dar exemplos de emojis, incluindo “Figura 54- Emoji ‘chorrindo’”, o que me deu muita felicidade;
mas isso significa que eu também tive que escrever a frase “o caso do emoji de berinjela (fig. 55), que se estabeleceu como pictograma de pênis”, o que é algo meio cursed de ter que digitar;
depois disso eu ainda tive que explicar teoricamente o que é um gif e a tradição de gifs pop-up em sites pornô, o que foi Algo;
todos os meus títulos ficaram muito bonitinhos pra uma dissertação sobre a internet: introdução - bem-vinde à internet, por favor, me siga; capítulo 1 - acessar histórico; capítulo 2 - abrir nova aba; capítulo 3 - alexa, o que é girl gaze (o que, honestamente, até agora não acredito que me deixaram passar com essa. meu cérebro tava tão derretido no dia que nomeei esse capítulo que eu chorava de rir com isso.) (eu não saía de casa fazia 10 dias);
mas o meu preferido e que também acho insano que me deixaram passar com essa (e até meio que elogiaram na minha banca??) é que a conclusão ficou com o nome e essas também são literalmente as últimas palavras da minha dissertação: Gostou? Compartilha!;
ah, eu também coloquei nos meus agradecimentos um salve pra ritalina, pro escitalopram e pra todo mundo que contribui com o sinonimos.com.br
por hoje é isso, mis querides!
não se esqueçam de tag urself nos comentários. eu não posso tag myself porque, obviamente, sou todos.
bjoks,
clara
um entretimento de alta qualidade aqui, ler 10 minutos sobre notas de rodapé de uma dissertação (eu odeio a ABNT 👹) e no entanto achar divertido demais !!
clara, tú eh 10/10!!! 😂😂😂
notas de rodapé de qualidade tão alta que deveriam ser notas de cabeçalho ✨️
eu li essa edição enquanto deveria (deveria?) estar estudando sem parar para uma prova amanhã (que não ironicamente contém um sessão da disciplina "análise do discurso" rs) mas vou contar como tempo de estudo pq sim.